domingo, 15 de dezembro de 2013

CRÓNICA

CONSELHO
por Ana Inês (12º E)
Cerca de grandes muros quem te sonhas.
Depois, onde é visível o jardim
Através do portão de grade dada,
Põe quantas flores são as mais risonhas,
Para que te conheçam só assim.
Onde ninguém o vir não ponhas nada.

Faz canteiros como os que outros têm,
Onde os olhares possam entrever
O teu jardim como lho vais mostrar.
Mas onde és teu, e nunca o vê ninguém,
Deixa as flores que vêm do chão crescer
E deixa as ervas naturais medrar.

Faz de ti um duplo ser guardado;
E que ninguém, que veja e fite, possa
Saber mais que um jardim de quem tu és -
Um jardim mais ostensivo e reservado,
Por trás do qual a flor nativa roça
A erva tão pobre que nem tu a vês...
(Fernando Pessoa)

     Estás aqui sentado ao meu lado e, no entanto, há tanto sobre ti que não sei. Talvez saiba mais, é verdade, do que o “jardim de quem tu és” e onde apenas pões as flores “mais risonhas”. Conheço as tuas virtudes, mas também sei muitas das tuas fragilidades e há muito que deixaste de tentar ocultar esse sítio que só tu sabes, onde és tu verdadeiramente, onde a maior parte dos olhares não pode entrever. Mas a verdade é que mesmo assim nós somos tanto, que mesmo que queiramos mostrar tudo, não conseguimos. Há até certos aspectos que são apenas abstractos, que não me podes dizer mesmo que queiras, porque não há palavras para tal, nem imagens, nem músicas.
   É, de facto, impossível transmitir todo o nosso universo interior. Eu queria saber como tu sentes, como tu te sentes quando te dou um abraço e o que te leva a sorrir para mim. Queria ser tu só por um instante, invadir todo o teu jardim, encontrar a erva “pobre”. Queria saber tudo sobre o que é ser tu. Reconheço essa impossibilidade, mas não desisto. Nunca desisto de ti.
  Somos todos um “duplo ser guardado”, um jardim aparentemente semelhante aos demais, porque necessitamos dessa proteção. Não nos devemos expor, não nos devemos revelar completamente, apresentar todas nossas falhas e tudo o que é bom de uma vez só. Temos, sim, de nos saber proteger, de só deixar entrar aos poucos alguém, de lhe mostrarmos primeiro muito bem o jardim, sem explicar porque temos malmequeres ou girassóis à entrada. Só depois, muito devagarinho, e se houver muito amor, deixar ultrapassar esse alguém os “grandes muros” com que protegemos quem realmente somos.
   E é aqui que descubro “onde és tu e nunca o vê ninguém” e todas as flores que “vêm do chão” crescem naturalmente. Encontro, assim, essa multiplicidade e diversidade de flores que não arranjas, que não compões, que são a tua essência. Mas não me mostres tudo, mesmo que eu te implore porque o mistério do amor reside em encontrar em ti sempre coisas novas, andar sempre à procura de mais flores. Já Caeiro afirmava que “Amar é a eterna inocência/E a única inocência é não pensar”, ou seja, amar implica conhecer o outro, mas não na sua totalidade. 

0 comentários:

Enviar um comentário